O Cristo Redentor de Ciríaco e o Coité Folia.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a condenação de um ex-prefeito, em Ação Popular, pelo fato de ter construído em sua cidade uma réplica do Cristo Redentor sem a devida previsão orçamentária. Inicialmente, o prefeito do município de Ciríaco (RS) foi condenado pelo Juiz da Comarca a devolver R$ 57 mil, devidamente corrigidos, aos cofres municipais. Depois, a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e o ex-prefeito, inconformado, recorreu ao STJ.

O argumento da Ação Popular, requerida por um cidadão do município, é que a obra, como foi realizada, feriu os princípios da legalidade e da moralidade administrativa e que o monumento de 20 metros de altura não estava previsto no orçamento do município de Ciríaco, que já estaria em dificuldades financeiras para manter as necessidades básicas da população, como saneamento básico e saúde. (Leia mais no site do STJ).

Como se vê, o problema não é com a imagem do Cristo Redentor e não envolve a religião, mas com o gasto indevido do dinheiro público. Assim, a obra poderia ser um tributo a Michael Jackson, Waldick Soriano ou a Nelson Mandela. Tanto faz. O que se discute aqui é a necessidade da previsão orçamentária, através de Lei aprovada pela Câmara de Vereadores, e o conflito com as necessidades básicas da população, ou seja, o que é mais importante para a cidadania e dignidade das pessoas: a construção de uma estátua ou a construção de escolas, creches e hospitais?

Li a decisão do STJ e concordei plenamente. Além do problema da falta de previsão orçamentária, da violação aos princípios da legalidade e moralidade da administração pública, vi fortemente presente o princípio da "razoabilidade", ou seja, se o povo não tem saneamento básico, escolas e hospitais, não seria muito mais "razoável" prover essas necessidades do que construir uma estátua do Cristo Redentor? Aliás, o próprio Cristo, caso um dia retornasse a Ciríaco, agora me lembrando como Ele fez com os vendilhões do Templo, certamente seria um dos primeiros a subscrever a Ação Popular pela devolução do dinheiro ao povo pobre. Aliás, pelo conheço Dele, penso que seria até capaz de iniciar um movimento pela demolição da estátua Dele mesmo.

Sei que alguns reclamam dessa forma de atuar do Poder Judiciário, falando em "ativismo judicial" ou "judicialização da política", mas me parece que esta adjetivação é menos importante do que a idéia maior de Justiça.

Aliás, o fato desse julgamento me chamou a atenção por esses dias quando transitava de minha comarca para Salvador, via Feira de Santana. Primeiro me deparei com o trânsito modificado na cidade de Feira em virtude da realização da sua festa de Micareta e, em seguida, com uma verdadeira poluição visual de outdoors anunciando blocos, trios, bebidas e tudo o mais que pode ser comercializado. Pois bem, depois que consegui sair da cidade, eis que me deparo, já na BR 324, com a marcha de 5 mil manifestantes do MST em direção a Salvador, lutando por reforma agrária. Sobre esse evento já escrevi aqui no blog. (Os loucos e insensatos estão em marcha).

Então, seguindo viagem pela BR 324, observei na margem da rodovia mais outdoors de Prefeituras do interior do Estado já convidando as pessoas para os festejos de São João. Cada cidade prometendo as melhores atrações musicais e as melhores festas. Só de publicidade - será que está no orçamento? Cada Prefeitura dessas deve ter investido recursos suficientes para solução de boas demandas de seus pobres muncipes.

Essas contradições me inquietam: de um lado, dinheiro público sendo "torrado" em festas e, de outro, pessoas lutando por um pedaço de terra para trabalhar.

Pois bem, passado o final de semana, ao retornar para minha Comarca, vejo-me agora às voltas com a instalação de camarotes, trânsito modificado e diversos pedidos de Alvarás para participação de crianças e adolescentes em blocos e bailes... a Micareta de Coité, a famosa Coité Folia!

Voltando ao começo, a cidade de Coité não deve ser diferente da cidade de Ciríaco e as demandas da população pobre devem ser as mesmas: saneamento básico, educação, saúde...

Aqui, diferente de lá, no entanto, na segunda-feira depois da Micareta, apesar da ressaca, tudo volta ao normal: o lixo continuará sendo recolhido para um local inapropriado; o esgotamento sanitário continuará sendo direcionado para ao açude da cidade; os bêbados presos serão libertados; os camarotes serão desarmados; os que ganharam com a festa contabilizarão os lucros e, finalmente, parte do povo, feliz por ter seguido atrás do Trio Eletrico, volta vivo, pois "atrás do Trio Elétrico só não vai quem já morreu" - à sua vida (?) normal.

Por fim, o Cristo de Ciríaco bem poderia ter dito, como disse Cícero contra Catilina: "Ó tempos, ó costumes!

Conceição do Coité, 29 de abril de 2010.

Gerivaldo Alves Neiva

Juiz de Direito

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fonte:calilanoticias.com

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1 Comentários

  1. isso e um absurdo... hildemir nao tem nada a ver com esse negocio de trafico mais a policia coloca ele para tira foto junto com esses traficantes. Ele foi preso por ter uma arma dentro de casa e a policia prendeu ele

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