Padre excomungado em Bauru disse que é um padre do século XXI

Esta semana, um padre do interior de São Paulo bateu de frente com a Igreja Católica, à qual jurou obediência, por defender ideias polêmicas sobre sexo fora do casamento e homossexualidade. Acabou excomungado. Padre Beto não se retrata e afirma que em momento algum desrespeitou os dogmas da religião. A reportagem é de Marcelo Canellas.

“Sexo é uma coisa, amor é outra”, diz Beto Daniel, padre excomungado.

“Ele faz pronunciamentos, declarações sobre temas complicados, polêmicos”, comenta dom Caetano Ferrari, bispo de Bauru.

“Eu posso amar uma pessoa e não fazer sexo com ela. Eu posso fazer sexo com uma pessoa e não amá-la”, afirma padre Beto.

“Ele é filho rebelde. Ele avança o sinal”, observa dom Caetano.

Quem é o padre que tirou o bispo do sério, a ponto de ser excomungado?

“Eu sou padre do século XXI. Ponto final”, diz padre Beto.

Na orelha, um piercing. “Já tenho três anéis, colocar mais um, pelo amor de Deus, né? E eu não gosto de anel com pedra, né? Falei: vou fazer um piercing”.

Em casa, Che Guevara na parede. Charutos. E uma salada de entidades místicas, santos e estrelas de cinema. E muitas atividades fora da igreja. Padre Beto se orgulha de ter estudado na Alemanha, no mesmo seminário em que o papa emérito Bento XVI se formou. Servindo à Diocese de Bauru, no interior de São Paulo, desde 2001, ele acaba de ser excomungado por causa de vídeos como esse, em que aparece em uma mesa de bar, falando sobre bissexualidade:

“Do homem se apaixonar por um outro homem, ou da mulher se apaixonar por uma outra mulher. E os dois sendo casados. Aqui existe amor também”, diz no vídeo.

A Diocese de Bauru diz que os vídeos provocaram escândalo, e exigiu que o padre os retirasse da internet.

“Nós não queremos enquadrá-lo também na marra. Mas ele fez um juramento como sacerdote, eu fiz também, de fidelidade aos ensinamentos da Igreja. Se eu sou da Igreja não posso falar contra o ensinamento da Igreja”, explica dom Caetano.

Padre Beto se recusou a cumprir a ordem. “É inegável a existência de bissexuais”.

Ele teve uma semana para voltar atrás. Quando o prazo se esgotou, a diocese instaurou o processo de excomunhão.

“Há quatro anos que eu estou aqui, todo ano eu tenho uma conversa com ele sobre estas coisas porque chegam para mim. O pessoal ouve na homilia, lê, ouve na rádio, ouve não sei o quê. Agora veio do mundo inteiro! Entende? Então nós tivemos que dizer: Beto, não dá mais, Beto”, diz Dom Caetano.

A excomunhão foi decretada, na terça-feira passada, por um juiz instrutor nomeado pelo bispo. De acordo com a nota oficial da Igreja, padre Beto foi excomungado por violar as obrigações do sacerdócio e por se negar a cumprir a promessa de obediência.

A despedida do sacerdote foi numa igreja lotada, em que os fiéis aplaudiram de pé a última missa do padre Beto.

Ele não pode mais rezar missa e nem fazer casamentos e batizados. Também não tem mais direito a nenhum dos sacramentos católicos. Não pode se confessar, por exemplo, nem comungar. Mas, de acordo com as regras da Igreja, ainda pode ser chamado de padre até que o Vaticano dê a última palavra. A punição pode ser revista imediatamente em caso de retratação pública, o que não parece estar nos planos do padre Beto.

“Eu posso me arrepender, dizer que um casal pode ter relações sexuais antes do casamento? Se eu disser que vou me arrepender disso é de uma infantilidade muito grande e, hoje em dia, uma situação ridícula”.

O que seria, para padre Beto, fidelidade e traição no casamento?

“Em um dos seus comentários, você diz que se alguém tem uma relação extraconjugal com o consentimento do seu parceiro não há traição, é isso?”, pergunta o repórter.

“É isso. Se realmente há um consentimento franco dos dois”.

Para ele, suas opiniões não desrespeitam os dogmas da Igreja.

“Eu não toquei em dogma algum. Eu estou discutindo normas morais. Eu não posso comparar o amor homossexual com o dogma “Jesus Cristo é filho de Deus”. São discussões completamente diferentes”.

E contesta a ideia de pecado na relação homossexual.

“Onde existe pecado entre duas pessoas do mesmo sexo que se querem bem, que se gostam, que se amam?”.

“Agora uma questão pessoal, e você tem todo o direito de não responder se não quiser. No momento em que surgiu esta polêmica, muita gente começa a questionar e justificar a sua postura dizendo que você é gay. Você é gay?”, pergunta o rpórter.

“Não. Eu não sou gay, eu sou heterossexual e nunca senti atração por pessoa do mesmo sexo”, responde.

Muito popular entre os jovens de Bauru, padre Beto divide opiniões na Faculdade de Direito onde dá aula de ética,

“É inadmissível uma pessoa ser escrava de uma doutrina”, defende o estudante Francisco Soares Neto.

“A partir do momento que você se torna padre, pressupõe-se que você é a favor dos ensinamentos da Igreja, que você concorda com isso”, opina a estudante Manoela Veloso.

“Ao meu ver ele não infringiu nada. Ele estava ali refletindo sobre o assunto. E é o que ele nos faz na sala de aula: refletir, pensar”, afirma a estudante Marcela Gallo.

“Para muitos católicos, vai contra a Igreja Católica. Então confunde a cabeça da criança, por exemplo, que vai a uma missa e escuta um padre falar isso, sendo que em casa se prega outra coisa”, comenta a estudante Regina Benatti.

O padre excomungado diz que agora vai se dedicar ao magistério e ao trabalho de comunicador. E que seguirá procurando Deus onde for possível.

“Deus eu encontro em qualquer lugar. Se ele não vai mais estar acessível à minha pessoa pela eucaristia, que era um alimento espiritual fantástico, eu acredito que Deus vai me alimentar de uma outra forma”. (Fantástico - Globo)

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