Se não fosse o horário das visitas diárias, o silêncio das UTIs seria quebrado apenas pelas conversas da equipe médica e pelos bipes dos aparelhos. Porém, os acordes de sanfona que ecoam pelos corredores de um hospital público em Águas Claras, Salvador, chamam a atenção de quem passa pela unidade. Em um lugar onde reina a seriedade, a médica Adriane Barreto Cunha, 26 anos, traz leveza e alegria aos pacientes internados em estado grave, juntando sua paixão pela música e sua vontade de ajudar o próximo.
A ideia de tocar sanfona para os pacientes surgiu quando colegas de profissão descobriram que Adriane, mesmo morando na capital, mantinha a tradição do forró herdada de sua avó, dona Amélia, de 96 anos. Nos dias de festa em Seabra, todos sabem que a fogueira da casa é acesa no dia 23 de junho e só é apagada depois do dia de São Pedro.
O clima de tensão da UTI do Hospital Eládio Lasserre se transforma quando a médica aparece com sua sanfona, tocando canções de Dorgival Dantas. Por alguns minutos, é como se a batalha pela vida fosse deixada de lado e os pacientes se concentrarem apenas na trilha sonora. A ação tem benefícios comprovados pela ciência, uma vez que a música faz com que os pacientes se lembrem da vida e voltem a se conectar com suas origens, o que libera neurotransmissores e proporciona sensação de felicidade e autonomia.
A ação faz parte de um projeto do hospital que visa humanizar o tratamento. Os profissionais de saúde tentam evitar que os pacientes tenham a sensação de que não receberam a atenção necessária durante a consulta. A humanização dentro do contexto hospitalar mostra que o paciente é um ser integral que precisa trabalhar o lado social e subjetivo. Além da ação encabeçada pela médica na UTI geral, a comissão aproveita as datas comemorativas para levar alegria aos pacientes.
O projeto segue a Política Nacional de Humanização (PNH), lançada pelo Ministério da Saúde em 2003. A humanização tem como princípio envolver os pacientes e seus familiares nos processos de cuidado, através do acolhimento e escuta. Ao mesmo tempo, os trabalhadores da saúde devem ser agentes ativos das mudanças, na medida em que as hierarquias se tornam mais horizontais. Embora ainda haja muitos desafios para a humanização no SUS, há profissionais que dão passos curtos, mas precisos, para que o tratamento qualificado e humano se torne prioridade.
0 Comentários